terça-feira, 27 de agosto de 2013

O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou diante da Bolívia.

Miriam Azevedo de Almeida Leitão nasceu em Caratinga MG, em 7 de abril de 1953. É jornalista, atua na área do jornalismo econômico e de negócios de O Globo.
O ministro Antonio Patriota errou muito, e por muito tempo, neste caso do senador boliviano. Deixou a situação ficar insustentável, permitiu que a Bolívia, desrespeitando leis internacionais, criasse uma situação inaceitável. A Bolívia fingia negociar e protelou por mais de 450 dias a emissão do salvo-conduto após o asilo concedido pelo governo brasileiro.
Uma pesada punição pode acabar recaindo sobre o ministro conselheiro Eduardo Saboia por quebra de hierarquia. Será injusto, mas ele estava ontem à tarde preparado para ela. Disse que não pensou em sua carreira, mas nos direitos humanos desrespeitados e na dignidade do Brasil que viu ofendida nesse caso.
Era a sala do telex. Pequena, de 20 metros quadrados, sem banheiro. Neste local, o senador boliviano Roger Pinto Molina ficou 452 dias. Uma semana depois de pedido, o asilo foi concedido. Pela Convenção de Caracas, o governo boliviano tinha que ter dado o salvo-conduto. É o que diz o Direito Internacional. A Bolívia não concedeu e ainda fez exigências ao Brasil.
Uma delas é que o embaixador brasileiro fosse afastado. Ele ficou meses no Brasil. Enquanto isso, a situação foi ficando insustentável, porque Molina estava abrigado não numa casa, mas no escritório da embaixada: um prédio no centro da cidade. No fim de semana, não havia expediente. Ele nunca pôde tomar banho de sol. O embaixador brasileiro e depois o encarregado de negócios tinham que controlar visitas. Continue lendo...
- É insuportável trabalhar com uma pessoa prisioneira ao seu lado. O Brasil concedeu o asilo, o governo boliviano se negava a dar o salvo-conduto. Vim ao Brasil duas vezes, falei inúmeras vezes e senti total indiferença pela situação de crônico desrespeito aos direitos humanos que eu estava vendo ao meu lado. A Bolívia fingia que estava negociando; a negociação era um faz de conta - me disse o encarregado de negócios do Brasil na Bolívia, ministro conselheiro Eduardo Saboia.
O senador Ricardo Ferraço, presidente da Comissão de Relações Exteriores, que acompanhou todo o caso até o seu surpreendente desfecho neste fim de semana, disse que a decisão de Saboia foi tomada diante da "ausência absoluta de solução" e porque a situação havia ficado "inadministrável".
- A situação chegou onde chegou pela indiferença diante do fato de que a Bolívia não reconheceu o asilo concedido. Saboia entrou no carro com o senador e viajou 1.600 km até Corumbá, correndo riscos porque atravessou a região de Chapera, dominada pelos produtores de coca, que haviam sido denunciados pelo senador Pinto Molina - explicou o senador.
O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou diante da Bolívia.
- Nós demos um cheque em branco para a Bolívia. Temos engolido tudo e são vários episódios. O Brasil estava se rebaixando diante da Bolívia - disse Saboia.
Uma atitude assim como a de Saboia não é comum na diplomacia, uma carreira hierarquizada em que o mais fácil é dizer "eu cumpro ordens". Enquanto a Bolívia ignorava os pedidos do Brasil pelo salvo-conduto, e fingia negociar, protelando a decisão, o governo brasileiro convidava a Bolívia para o Mercosul. O governo brasileiro tem confundido ser solidário com um país pequeno e pobre com aceitar que ele não respeite o Direito Internacional e humilhe o país.
- Risco de punição? Não pensei nisso. Não fiz cálculo profissional. Pensei em direitos humanos e na dignidade do meu país - disse Eduardo Saboia.
No final da noite, o ministro Antonio Patriota caiu. A presidente escolheu um diplomata experiente e no qual tem total confiança, Luiz Alberto Figueiredo, que foi negociador do clima.

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