quarta-feira, 27 de março de 2013

Cá e lá, o progresso econômico no longo prazo depende de reformas em áreas-chave, tais como a tributária, a segurança, a educação, pensões e energia.

Eliana Cardoso é  Ph.D. em economia pelo MIT, uma das mais brilhantes economistas de sua geração, é também Professora visitante da FGV-SP.
Falta delicadeza à cópula dos tubarões. Os machos mordem as fêmeas, cuja pele chega a sangrar. Violações coletivas sobejam e os filhotes de uma única ninhada têm vários pais. A espécie Carcharias taunis pratica o canibalismo: no útero, os embriões comem- se uns aos outros, na mais feroz competição entre consanguíneos de que temos notícia. Como a fêmea do tubarão tem dois úteros, a mãe Carcharias taurus pode dar à luz dois filhotes matadores. Cada um deles, tendo engolido todos os rivais com quem compartilhou o primeiro abrigo, já nasce sabido e experiente.
Se você acha que o mercado financeiro é um mar de tubarões e acredita que o governo salva os peixes menores e suas poupanças, com certeza caiu do cavalo quando soube que o resgate de Chipre deveria incluir um imposto sobre os depósitos bancários mesmo abaixo dos garantidos EUR 100 mil. Como era de esperar, os cipriotas correram para caixas eletrônicos na tentativa desesperada de retirar seus recursos dos bancos. A medida (embora rejeitada pelo Parlamento e substituída por outra que atinge principalmente russos acusados de lavagem de dinheiro) fez seu estrago. Pois a confiança, difícil de ganhar, é fácil de perder. De agora em diante, impostos sobre depósitos se tornarão um elemento em resgates futuros.
Por enquanto o choque não foi suficiente para gerar revisões das expectativas para o crescimento em 2013. Portanto, prevalece a projeção de crescimento global em cerca de 3%, com recuperação fraca nas economias avançadas. O doloroso corte de gastos para reduzir a dívida dos países europeus continua valendo, lado a lado com o rali de ativos de risco nos EUA, em resposta à política monetária não convencional do Fed e dos bancos centrais da Inglaterra, da Europa, da Suíça e do Japão, todos eles engajados nalgum tipo de afrouxamento quantitativo. Os perigos de 2013 ainda lembram os de 2012, nesse oceano moderno povoado de tubarões e leviatãs. Continue lendo...
Na arena política, a primavera árabe vai-se transformando em sombrio inverno. E embora pareça improvável um conflito militar entre o Irã, de um lado, e, do outro, Israel e EUA, ouve- se o ribombar dos tambores de guerra. Israel recusa-se a aceitar um Irã com armas nucleares e os líderes iranianos não estão dispostos a abandonar os esforços para desenvolvê-las.
Na arena econômica, nos EUA, mais cedo ou mais tarde, republicanos e democratas se envolverão em outra briga sobre o teto da dívida e assustarão os investidores com mais um suspense fiscal. Na China, as rodadas de estímulos monetário e creditício em 2012 mantiveram o modelo de crescimento desequilibrado com base na poupança excessiva, enquanto a liderança conservadora e gradualista contribui para o risco de aterrissagem forçada. Na Europa - onde parecia que as ações do Banco Central Europeu tinham reduzido os riscos de abandono do euro pela Grécia e garantido à Itália e à Espanha o acesso ao mercado de crédito - os problemas continuam sem solução: grandes estoques de dívida privada e pública, envelhecimento da população, baixo crescimento da produtividade... E, agora, o resgate às avessas de Chipre.
Nesse cenário tão conturbado, a vida na América Latina parece bem mais tranqüila, apesar das crises na Venezuela e na Argentina, onde a rápida desvalorização da taxa de câmbio no mercado paralelo (fruto do aumento da inflação e dos controles cambiais) comprova políticas econômicas insustentáveis. Mas enquanto a Argentina sofre com a incerteza associada ao processo judicial de sua dívida nos EUA, com o desequilíbrio externo e o medo da maxidesvalorização, o México está a caminho de se tornar o queridinho do mercado financeiro.
Entre 15 e 17 de março, no Panamá, os participantes do encontro anual do Banco Interamericano festejavam a onda de reformas que se inicia no México e cantavam as glórias do Chile, do Peru e da Colômbia. Augusto de La Torre, economista- chefe do Banco Mundial para a América Latina, mostrava preocupação com a volatilidade dos capitais internacionais. O que fazer? Controles? O diretor para a região do Hemisfério Ocidental no FMI, Alejandro Werner, disse que não gosta dessa medida. O ministro das Finanças da Colômbia, Maurício Cárdenas, confessou igual desagrado, mas revelou que, por via das dúvidas, mantém sobre a mesa de trabalho uma pasta com detalhes de controles de capitais. Vai que...
No momento - dizem os entendidos - Brasil e México oferecem dois modelos rivais. A visão predominante sobre o México é de que o país, detentor do maior número de acordos de livre-comércio assinados na região e comprometido com a abertura ao comércio (60% do PIB mexicano), contrasta fortemente com o Brasil, que vem abraçando o protecionismo. O Brasil, que ganhou enorme estatura durante as últimas décadas, enfrenta hoje investidores cada vez mais cautelosos. Eles acham justa a decisão da agência de classificação de risco Moody"s de rebaixar a nota de crédito da Caixa Econômica e do BNDES.
Mesmo para quem questiona o mérito dessas comparações, o México tem uma boa história para narrar. Conta com o dividendo demográfico, pois a idade média de sua população é de 26 anos. Cresceu 3,9% em 2012 com respeitável situação fiscal. A dívida bruta do setor público, de 34% do PIB, é a metade da dívida bruta do Brasil. Aqui e lá, as projeções de crescimento para 2013 não são muito diferentes. O elemento que favorece o futuro do México e o otimismo dos investidores reside na onda de reformas estruturais lançadas pelo presidente Enrique Pena Nieto. O que importa não é o crescimento de curto prazo, mas a perspectiva de reformas. Cá e lá, o progresso econômico no longo prazo depende de reformas em áreas-chave, tais como a tributária, a segurança, a educação, pensões e energia. Parece que elas se fazem necessárias em todo o mundo. Se eu me chamasse Raimundo...

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