terça-feira, 19 de março de 2013

A extorsão praticada contra os correntistas cipriotas é burra; só ajuda a reacender a crise da moeda única

Clóvis Rossi é jornalista de esquerda com mais de 40 anos de carreira, colunista da Folha de S. Paulo. já trabalhou em três dos quatro grandes jornais do país, Estadão, Folha e JB.
A EUROPA, a civilizada Europa, regrediu, no fim de semana, a um dos momentos mais negros e primitivos da recente história brasileira, o momento Fernando Collor. Refiro-me à decisão de sequestrar uma fatia dos depósitos em bancos de Chipre, equivalente ao confisco da poupança praticado em 1990 no Brasil.
Não adianta disfarçar o confisco como imposto. É "extorsão", diz um homem de mercado, Georges Ugeux, presidente do Galileo Global Advisors, banco de negócios norte-americano, que mantém o blog "Desmistificando as Finanças".
Uma extorsão burra, como escreve para "El País" José Carlos Díez, da empresa Intermoney: "Três anos depois da tragédia grega, que representou o início da crise do euro, o resgate a Chipre confirma que não há indícios de vida inteligente na Europa".
Resgate não é bem o termo que os cipriotas aplicam para o empréstimo de € 10 bilhões (R$ 25,8 bilhões) em troca do qual se praticou a extorsão. Editorial do "Cyprus Mail" diz que, "na prática, a União Europeia ofereceu um 'pacote de resgate' que está desenhado para destruir, em vez de resgatar, o que resta da economia de Chipre".
É o que pensa também boa parte dos portugueses, espanhóis, italianos e gregos igualmente "socorridos" e cujas economias afundam em recessão e desesperança.
O pacote cipriota, como era previsível, reacendeu todos os alarmes nos mercados, ao quebrar o tabu de que "os depósitos de pequenos poupadores são um pilar básico da sociedade e da democracia e devem ser a última opção para resolver uma crise de dívida", como ensina José Carlos Díez.
Volta o fantasma de que os países do sul da Europa tenham que dar o calote porque não suportam pagar os juros que os mercados estão cobrando para rolar suas dívidas. Juros que haviam se acalmado, que haviam suportado até a indefinição política na Itália, mas que "a ausência de sinais de vida inteligente na Europa" voltou a agitar ontem.
Afinal, qual é o correntista, em qualquer desses países e até em países mais sólidos, que não fica estressado e predisposto a tirar tudo do banco quando se rompe esse "pilar básico da sociedade e da democracia"?
Volta-se, com isso, ao princípio do problema: para salvar os bancos, pune-se a sociedade, a pretexto de que seria pior deixar quebrar os bancos ou permitir o calote da dívida dos governos. Continue lendo...
Talvez até seja, mas o calote parcial da dívida grega demonstra que o dano pode não ser tão grave como se apregoa.
Além disso, o mundo teve cinco anos, desde a crise de 2008, para estabelecer regras que permitam que a essencial atividade bancária saia do cassino em que se instalou e volte a financiar a economia real.
Regras até foram elaboradas, mas sua implementação é sempre adiada porque os governos não têm coragem de peitar a banca.
Consequência, de que a crise cipriota é mais um exemplo: "Até que se saneie o sistema bancário, não voltará o crédito e a economia continuará destruindo emprego e gerando infelicidade", escreve o economista Díez.

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