domingo, 24 de março de 2013

74% DOS MÉDICOS DO ESTADO, ESTÃO DE BOA NO PARAZINHO

ESCASSOS, MÉDICOS SE CONCENTRAM EM BELÉM CAPITAL TEM 74% DO QUADRO. NÚMERO REFLETE A DESIGUALDADE 
Laíssa Khayat - da Redação
O número de médicos em atividade no Pará chegou a 6.565 e atende a uma população de aproximadamente oito milhões de pessoas, segundo revela o estudo realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Porém, deste total de profissionais, 74% se concentram na capital para atender cerca de um milhão e meio de habitantes. A desigualdade é percebida principalmente em áreas isoladas, como a região do Marajó, onde recursos e médicos fazem falta àqueles que procuram apenas por um atendimento básico. Entra em questão o pedido da classe médica: a adoção urgente de medidas estruturantes na assistência em saúde como forma de solucionar, em longo prazo, a "distorção severa" na distribuição de médicos no Estado. Por outro lado, a Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) admite a carência de médicos em determinadas regiões, anuncia a construção de hospitais e oferecimento de cursos de capacitação para profissionais de saúde e alerta que "é preciso utilizar bem o médico; são poucos, mas utilizá-los bem". Enquanto isso, os usuários das 1.179 Unidades Básicas de Saúde (UBSs) no Estado têm que lidar com a falta do profissional e de medicamentos e a superlotação em algumas delas.
Os dados divulgados pelo CFM mostram também que mais de seis milhões paraenses moradores de cidades interioranas são assistidos por 1.737 médicos. Neste conjunto de municípios, a razão/médico habitante fica em 0,27. Em contrapartida, Belém tem um índice de cerca três médicos por 1.000 habitantes. Apesar disso, a capital não é tida como referência em atendimento de primeira qualidade, com reclamações diversas, inclusive de falta de médicos. Com taxa que não chega nem a um profissional (0,84) por 1.000 habitantes, o Pará se posiciona abaixo da média nacional, ocupando a penúltima posição em termos proporcionais e o 13º lugar em número de médicos registrados em todo o país, com 388.015.
Marajó é a região que tem a maior carência Continue lendo...
O secretário explica que o Estado está dividido em 12 regiões de saúde, sendo a do Marajó a que apresenta a menor distribuição de médico proporcional ao número de habitantes (500 mil), com um médico para cada 9.711 pessoas. "Não é só um problema de médico. Pelas características do Estado, você tem dificuldades de fazer a Estratégia da Saúde da Família funcionar. Hoje, praticamente todos os municípios têm médico. Os municípios do Marajó às vezes não tem médico permanentemente, mas você tem médico de 15 dias, ou de 20 dias, e assim vai, pra fazer esse atendimento da Atenção Primária", diz.
Para ele, a desigual demografia médica no Pará recai sob a falta de investimento dos municípios em Atenção Básica e a formação médica, além da dificuldade de deslocamento. "80% dos casos podem ser resolvidos por médico generalista, se for bem informado. Se formou? Vamos conhecer a realidade do país, remotas e de difícil acesso. Então, você tem que estudar, ter prudência, mas é um aprendizado tremendo", conta, referindo-se também aos dez anos em que atuou como médico na Transamazônica.
Em lugares onde não tem médico permanente, o secretário informa que o governo instalou pontos de tele medicina para eletrocardiograma, que funcionam 24h por dia. São 16 pontos no Marajó e outros 23 em municípios "pequenos e distantes". "O paciente chega hoje em qualquer município do Marajó com dor torácica, dor no peito, não precisa nem ter médico. O técnico de enfermagem é treinado e instala 12 canais de eletros, manda (o resultado) pra Universidade de Uberlândia e em dez minutos ele te diz o que é. Descobrimos mais de 200 anginas, enfartos no Marajó no ano passado. É um sistema interessante pra transportar quem realmente precisa. Qualquer alteração que dê lá ou dúvida, transporta", alega.
UBS de bairros deixa a desejar e pacientes migram para pedreira
A costureira Luzinete de Fátima Lopes mora no bairro do Mangueirão e costuma ir ao posto para se consultar. "Lá (no posto de saúde do Mangueirão) é mais complicado. Também em questão de consulta especializada na Pedreira é mais rápido. Tentei uma consulta com reumatologista no Mangueirão há quase um ano e não consegui nem agendar até hoje. Já aqui consegui atendimento pro dia seguinte", conta.
Para o aposentado Artênio de Miranda é importante que os postos de saúde funcionem, pois foi numa consulta de rotina na UBS da Pedreira que ele descobriu um câncer de próstata. "Descobriram ano passado que eu tinha câncer na próstata e me encaminharam pro (Hospital) Ofir Loyola. Deu pra fazer o tratamento a tempo e hoje estou curado. Venho aqui há mais de dez anos, nunca peguei uma fila e, quando precisei, tinha remédio", afirma, acrescentando que desde o início do ano tem ido ao posto para fazer exames de controle da doença.
A situação é um pouco diferente na UBS do bairro do Jurunas. Na entrada, mato alto; nos fundos, esgoto à vista de usuários e funcionários. Com uma estrutura de seis consultórios de clínica, quatro de pediatria e quatro de ginecologia, a unidade passa por uma reforma para ampliação de mais duas salas, uma obra do Ministério da Saúde, em parceira com a prefeitura de Belém, que era pra estar pronta desde o mês passado. Atualmente, a unidade tem 30 médicos, entre os que atuam na urgência e emergência e no ambulatório, para atender 300 pacientes no setor ambulatorial, e 400 na urgência e emergência por dia; além dos 70 mil matriculados por mês em programas municipais.
A gerente da UBS do Jurunas, Lene Vieira, admite a falta estrutura para fixar médicos.
Como estratégia municipal para ter médico nos três turnos, ela relata que a Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) estendeu um contrato a mais para médicos e paga um segundo teto para aqueles que atendem o dobro do que a demanda-padrão de 16 pacientes por dia. Além disso, a contratação de 13 médicos extras por mês para tirar plantão na urgência e emergência. Segundo a gerente da UBS, a situação se agrava devido à migração de pessoas de outros bairros e até mesmo de municípios como Acará, Portel, Melgaço e Breves.
A empregada doméstica Sheila Rodrigues Melo, matriculada no programa de hipertensão, conta que falta segurança, médicos e remédios para os atendimentos espontâneos, e manter o ambiente limpo para evitar doenças.
Unidade está sobrecarregada devido às deficiências de outras
Os efeitos da demografia médica no Pará podem ser vistos nas Unidades de Atenção Básica (UBSs), cuja responsável é o município. No entanto, em Belém, apenas uma UBS ainda é gerenciada pelo Estado, a do bairro da Pedreira. Segundo o secretário de saúde, a prefeitura de Belém não tem condições de assumir o posto. "Faz oito anos que (as UBSs) não funcionam. Belém passou oito anos com a Atenção Primária acabada. Aumenta pessoas no pronto-socorro. Eles vão demorar a pegar fôlego nisso, porque equipamentos, tudo está quebrado; a questão do pessoal ficou um negócio viciado. A Pedreira é uma anomalia. O correto era o município assumir, mas ainda não tem condições", avalia.
Hélio Franco revela que a proposta da Sespa é passar a unidade da Pedreira para a administração da Universidade do Estado do Pará (Uepa) para fazer uma unidade-escola, aliando ensino e assistência médica, a exemplo da unidade do Marco. No entanto, nada está decidido.
De acordo com a diretora da UBS da Pedreira, Socorro Cavalcante, a demanda de pacientes triplicou, "porque o posto está atendendo praticamente todos os bairros da capital". Ela conta que essa situação vem se acentuando desde o final do ano passado devido às unidades da prefeitura de Belém estar "em dificuldade, sem médicos."
CRM propõe políticas de valorização
O Conselho Regional de Medicina no Pará (CRM-PA) propõe que os governos adotem "políticas de valorização dos profissionais de saúde, o fim da precarização dos vínculos empregatícios e a implementação de planos de carreira, cargos e investimentos". Além disso, a criação de uma infraestrutura que garanta instalações e equipamentos para o exercício da Medicina e uma carreira de médico no âmbito do SUS, como meio de estimular a fixação dos profissionais nas áreas consideradas de difícil acesso. "A gente avalia que o número de médicos cresce, mas a distribuição está desigual, principalmente no nosso Estado. O que a gente tem que entender é que não é só o número de médicos. Nós precisamos de algumas medidas para que aconteça realmente esse atendimento: primeiro, uma política pública de saúde; segundo, os equipamentos, que haja estrutura, que o médico tenha uma carreira. Não há uma política pública que possa motivar a este profissional. O que é preocupante no Estado do Pará é essa desigualdade na distribuição dos profissionais, que se concentram muito em Belém.", observa o médico Paulo Guzzo, primeiro secretário do CRM.
De acordo com ele, não há como mensurar tecnicamente as regiões mais carentes de médicos, entretanto, cita o Marajó como uma das mais preocupantes.
Para o 1º secretário do CRM, Paulo Guzzo, o "bom" índice de Belém em número de médicos não corresponde ao que se vê em postos de saúde. "Até certo ponto, porque se você analisar tem muitas unidades de saúde que não têm condições. Equipar essas unidades, ter o insumo que são os remédios, é a mesma coisa pra Belém. Unidades precárias, é falta do aparelho de pressão, falta de medicamento. Como houve a mudança (de governo), nós estamos esperando, só que doença não espera. Além disso, Belém, como tem mais condições, há uma migração muito grande de pessoas, já congestiona. Se você for ver a Rede Básica de Saúde dos nossos municípios é algo de se indignar como cidadão. Você vê aquele povo carente que não tem o mínimo necessário", relata.
Trazer paciente acaba saindo mais barato
O secretário estadual de Saúde Pública, Hélio Franco, reconhece os problemas, porém esclarece que para os lugares de difícil acesso, como a região do Marajó, o governo disponibiliza 24h por dia o Serviço de Resgate Aéreo para casos de emergência, criado em 2009 e ampliado na atual gestão Jatene, com custo mensal de R$ 700 mil. Este serviço conta com um helicóptero fixado em Belém e faz em média 40 atendimentos por mês. Hélio Franco explica que a secretaria do município liga para a Central de Regulação de Emergência que, dependendo da gravidade do caso, o médico aciona o serviço e o transporte do paciente para o hospital regional mais próximo é feito.
O Estado hoje está todo coberto. É melhor trazer o paciente pra cá, sai mais barato, do que tentar uma estrutura em determinados locais, porque pra montar uma estrutura resolutiva", afirma. (Amazônia – ORM)

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