quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Eu moleque traquino, pulador dos quinteirais, vivia cheio de pereba nas pernas e a mais comum micose daquela época o ‘mijacão’ que aparecia na gente, por pisar em merda de gado, era uma doencinha furreca, que coçava o vão dos dedos, mas coçava gostoso.

Nelson Vinencci é músico e compositor amazônico e escreve aqui no Espalha Brasa
Foi ao sair da lua, noite escurecida de fevereiro, terça feira, sexto dia do mês, véspera de lua cheia, que a chuva chegou em Santarém. Eu sentado no canto do salão, na mesa redonda ao lado esquerdo de quem entra no Bar Mascote, vi as primeiras águas celestes caindo e molhando o meu amigo músico Tony, que ensacava seu violão apressado.
Curiosamente visitei o Google no celular e apareceu em um site desses de horóscopo o seguinte: “Fevereiro é um mês importante, o mês começa com Mercúrio unido ao Sol em Aquário, o que é um ótimo aspecto para as comunicações, a publicidade, as amizades e a vida social”... Então pensei; e eu com isso? Queria outras palavras...
O mês de fevereiro é o mais importante para os brasileiros, porque tem o carnaval, cachaçada, e a sacanagem se liberta na euforia da alma do brasileiro, eu agora já quase com meio século de vida, nunca fui amante do carnaval, até que tentei, mas fico triste na folia, nunca descobri por que, e nem quero...
Ao ver a chuva carnavalesca que caia fora do Bar Mascote, me veio repentinamente lembranças da minha infância em Oriximiná, era em dias chuvosos de fevereiro que costumava-mos em casa a fazer uma panelada de mingau de jerimum com arroz.
Então íamos para o quarto, eu e meus irmãos, cada um com uma cuia de mingau, já bem empoado de canela, em direção das redes, e conversávamos sobre o mundo caboclo nosso daqueles dias, que vivíamos sem muita frescura, mas apenas com a razão de existir.
Eu moleque traquino, pulador dos quinteirais, vivia cheio de pereba nas pernas e a mais comum micose daquela época o ‘mijacão’ que aparecia na gente, por pisar em merda de gado, era uma doencinha furreca, que coçava o vão dos dedos, mas coçava gostoso.
Assim me aprumava na rede bem baixinha, com a cuia de mingau já na base da raspa da cuia, e enfiava a beira da rede entre o vão do dedão, empestado de mijacão e roçava num vai e vem, atiçando uma coceira das mais gostosas que um curumim como eu poderia sentir naquele momento da vida.
Roçava, roçava, até esquentar o dedo, aí após a coceira dar uma trégua, vinha um ardume desgraçado que só um moleque amarelão como eu, agüentava a peia. Levantava da rede e ia em direção da panela de mingau que ficava em cima do fogão.
Meio capenga, o ardume quase passando no vão do dedo, tornava a encher a cuia, passava pela mesa da cozinha e cobria o mingau com pó de canela, voltava para a rede, então me punha ao agasalho matinal enquanto a chuva chiava na telha de barro.
Era comum a gente colocar uma latinha de óleo seca, na biqueira da casa para fazer um poc, poc, poc, dos pingos da chuva. Enquanto a lata, meia enterrada, no chão debaixo da bica fazia seu barulhinho bom, surgia então essa fantasia maravilhosa, que as chuvas de fevereiro marcaram para sempre seus dias lúdicos em mim. 

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